quinta-feira, 19 de maio de 2011

Às vezes Deus Exagera

Quando você passa,
Fico assim sem graça
Só olhando pra você.
Quando você chega,
Chuto o pé da mesa,
Meu coraçãozinho só
Fica acelerado,
Assim destrambelhado,
Quando cê tá ao redor.


 Bruno Alves








segunda-feira, 16 de maio de 2011

:)

 
 ;D

Vamos Viver

 













Vamos consertar o mundo
Vamos começar lavando os pratos
Nos ajudar uns aos outros
Me deixe amarrar os seus sapatos
Vamos acabar com a dor
E arrumar os discos numa prateleira


 

Vamos viver só de amor
Que o aluguel venceu na terça-feira
O sonho agora é real
E a chuva cai por uma fresta no telhado
Por onde também passa o sol
Hoje é dia de supermercado


Vamos viver só de amor
E não ter que pensar, pensar
No que está faltando, no que sobra
Nunca mais ter que lembrar, lembrar
De pôr travas e trancas nas portas

Herbert Vianna

sábado, 14 de maio de 2011

Badi Assad



Nessa tarde de 14 de maio, estava eu a vagabundear pela internet, baixando músicas (hábito costumeiro, quase um vício, admito!). Enfim, o céu estava um tanto nublado, mas nada de chuva aparecer. E acidentalmente vi o vídeo de uma mulher simplesmente incrível, suprema, algo que não se encaixa nos padrões da normalidade musical. Enfim, este ser chama-se Badi Assad e estava cantando e tocando a canção "Ai que Saudade d'ocê", de Vital Farias. Em suas canções, Badi faz  experimentação sonora (com voz e corpo), fazendo isso uma marca registrada de seu estilo. Ela possui a sofisticação da música clássica e mescla em seu repertório canções de sua autoria e sucessos da nossa MPB, encantando-nos à cada acorde de seu violão. Lançou discos muito interessantes, uns com parceria com violonistas incríveis, trabalhou com artistas soberbos, como meu maravilhoso Lenine, entre muitos outros que muito estimo. À tudo isso ela dá um sabor, um gostinho diferente, com sons que chegam aos nossos ouvidos e mentes, alcançando nosso interior. Sua voz doce e suave acalentou minha noite de sábado. Perfeita :)

Os Três Mal-Amados


O amor comeu meu nome, minha identidade, meu retrato.
O amor comeu minha certidão de idade, minha genealogia, meu endereço.
O amor comeu meus cartões de visita.
O amor veio e comeu todos os papéis onde eu escrevera meu nome.
O amor comeu minhas roupas, meus lenços, minhas camisas.
O amor comeu metros e metros de gravatas.
O amor comeu a medida de meus ternos, o número de meus sapatos, o tamanho de meus chapéus.
O amor comeu minha altura, meu peso, a cor de meus olhos e de meus cabelos.
O amor comeu meus remédios, minhas receitas médicas, minhas dietas.
Comeu minhas aspirinas, minhas ondas-curtas, meus raios-X.
Comeu meus testes mentais, meus exames de urina.
O amor comeu na estante todos os meus livros de poesia.
Comeu em meus livros de prosa as citações em verso.
Comeu no dicionário as palavras que poderiam se juntar em versos.
Faminto, o amor devorou os utensílios de meu uso: pente, navalha,
escovas, tesouras de unhas, canivete.
Faminto ainda, o amor devorou o uso de meus utensílios:
meus banhos frios, a ópera cantada no banheiro,
o aquecedor de água de fogo morto mas que parecia uma usina.
O amor comeu as frutas postas sobre a mesa.
Bebeu a água dos copos e das quartinhas.
Comeu o pão de propósito escondido.
Bebeu as lágrimas dos olhos que, ninguém o sabia, estavam cheios de água.
O amor voltou para comer os papéis onde irrefletidamente eu tornara
a escrever meu nome.
O amor roeu minha infância, de dedos sujos de tinta,
cabelo caindo nos olhos, botinas nunca engraxadas.
O amor roeu o menino esquivo, sempre nos cantos, e que riscava os livros,
mordia o lápis, andava na rua chutando pedras.
Roeu as conversas, junto à bomba de gasolina do largo,
com os primos que tudo sabiam sobre passarinhos, sobre uma mulher,
sobre marcas de automóvel.
O amor comeu meu Estado e minha cidade.
Drenou a água morta dos mangues, aboliu a maré.
Comeu os mangues crespos e de folhas duras, comeu o verde ácido das plantas de cana cobrindo os morros regulares,
cortados pelas barreiras vermelhas, pelo trenzinho preto, pelas chaminés.
Comeu o cheiro de cana cortada e o cheiro de maresia.
Comeu até essas coisas de que eu desesperava por não saber falar delas em verso.
O amor comeu até os dias ainda não anunciados nas folhinhas.
Comeu os minutos de adiantamento de meu relógio, os anos que as
linhas de minha mão asseguravam.
Comeu o futuro grande atleta, o futuro grande poeta.
Comeu as futuras viagens em volta da terra, as futuras estantes em
volta da sala.
O amor comeu minha paz e minha guerra.
Meu dia e minha noite.
Meu inverno e meu verão.
Comeu meu silêncio, minha dor de cabeça, meu medo da morte.


João Cabral de Melo Neto 

...

"Tudo é belo e logo perde a cor, se em meus olhos não existe amor"   Ziza Fernandes

---

domingo, 8 de maio de 2011

Mude - Edson Marques

Mude, mas comece devagar,
porque a direção é mais importante
que a velocidade.

Sente-se em outra cadeira,

no outro lado da mesa.
Mais tarde, mude de mesa.

Quando sair,

procure andar pelo outro lado da rua.
Depois, mude de caminho,
ande por outras ruas,
calmamente,
observando com atenção
os lugares por onde
você passa.

Tome outros ônibus.
Mude por uns tempos o estilo das roupas.

Dê os teus sapatos velhos.
Procure andar descalço alguns dias.

Tire uma tarde inteira

para passear livremente na praia,
ou no parque,
e ouvir o canto dos passarinhos.

Veja o mundo de outras perspectivas.

Abra e feche as gavetas
e portas com a mão esquerda.

Durma no outro lado da cama...

depois, procure dormir em outras camas.

Assista a outros programas de tv,

compre outros jornais...
leia outros livros,
Viva outros romances.

Não faça do hábito um estilo de vida.
Ame a novidade.
Durma mais tarde.

Durma mais cedo.

Aprenda uma palavra nova por dia

numa outra língua.
Corrija a postura.
Coma um pouco menos,
escolha comidas diferentes,
novos temperos, novas cores,
novas delícias.

Tente o novo todo dia.
o novo lado,
o novo método,
o novo sabor,
o novo jeito,
o novo prazer,
o novo amor.
a nova vida.

Tente.
Busque novos amigos.
Tente novos amores.
Faça novas relações.

Almoce em outros locais,
vá a outros restaurantes,
tome outro tipo de bebida
compre pão em outra padaria.
Almoce mais cedo,
jante mais tarde ou vice-versa.

Escolha outro mercado...

outra marca de sabonete,
outro creme dental...
tome banho em novos horários.

Use canetas de outras cores.

Vá passear em outros lugares.

Ame muito,
cada vez mais,
de modos diferentes
.

Troque de bolsa,

de carteira,
de malas,
troque de carro,
compre novos óculos,
escreva outras poesias.

Jogue os velhos relógios,

quebre delicadamente
esses horrorosos despertadores.

Vá a outros cinemas,

outros cabeleireiros,
outros teatros,
visite novos museus.

Se você não encontrar razões para ser livre,
invente-as.
Seja criativo.


E aproveite para fazer uma viagem
despretensiosa,
longa, se possível sem destino.


Experimente coisas novas.
Troque novamente.
Mude, de novo.
Experimente outra vez.

Você certamente conhecerá coisas melhores

e coisas piores do que as já conhecidas,
mas não é isso o que importa.

O mais importante é a mudança,
o movimento,
o dinamismo,
a energia.
Só o que está morto não muda !

Repito por pura alegria de viver:
a salvação é pelo risco, sem o qual a vida não
vale a pena!!!!  "

terça-feira, 3 de maio de 2011

Desejo primeiro


Desejo primeiro que você ame, 
E que amando, também seja amado.
E que se não for, seja breve em esquecer.
E que esquecendo, não guarde mágoa.
Desejo, pois, que não seja assim,
Mas se for, saiba ser sem desesperar.
 






















Desejo também que tenha amigos, que mesmo maus e inconsequentes, sejam corajosos e fiéis e que pelo menos num deles você possa confiar sem duvidar.




 









E porque a vida é assim, desejo ainda que você tenha inimigos.  Nem muitos, nem poucos,  mas na medida exata para que, algumas vezes, você se interpele a respeito
De suas próprias certezas.  E que entre eles, haja pelo menos um que seja justo, para que você não se sinta demasiado seguro.
 





Desejo depois que você seja útil, mas não insubstituível. E que nos maus momentos, quando não restar mais nada, essa utilidade seja suficiente para manter você de pé. 

 

























Desejo ainda que você seja tolerante, não com os que erram pouco, porque isso é fácil, mas com os que erram muito e irremediavelmente, e que fazendo bom uso dessa tolerância,
Você sirva de exemplo aos outros. 









Desejo que você, sendo jovem,  não amadureça depressa demais e que sendo maduro, não insista em rejuvenescer e que sendo velho, não se dedique ao desespero.
Porque cada idade tem o seu prazer e a sua dor e é preciso deixar que eles escorram por entre nós. 











Desejo por sinal que você seja triste, não o ano todo, mas apenas um dia. Mas que nesse dia descubra que o riso diário é bom, o riso habitual é insosso e o riso constante é insano. 

 




Desejo que você descubra, com o máximo de urgência, acima e a respeito de tudo, que existem oprimidos, injustiçados e infelizes, e que estão à sua volta.
 









Desejo ainda que você afague um gato,
alimente um cuco e ouça o joão-de-barro
erguer triunfante o seu canto matinal, porque, assim, você se sentirá bem por nada. 

Desejo também que você plante uma semente, por mais minúscula que seja e acompanhe o seu crescimento, para que você saiba de quantas muitas vidas é feita uma árvore. 



















Desejo, outro assim, que você tenha dinheiro, porque é preciso ser prático. E que pelo menos uma vez por ano
coloque um pouco dele na sua frente e diga `Isso é meu`,
Só para que fique bem claro quem é o dono de quem. 

 





















Desejo também que nenhum de seus afetos morra,
por ele e por você, mas que se morrer, você possa chorar
Sem se lamentar e sofrer sem se culpar. 

















Desejo por fim que você sendo homem,
tenha uma boa mulher e que sendo mulher,
tenha um bom homem e que se amem hoje, amanhã e nos dias seguintes.
 










E quando estiverem exaustos e sorridentes,
Ainda haja amor para recomeçar. E se tudo isso acontecer, não tenho mais nada a te desejar.



 Bertold Brecht

domingo, 1 de maio de 2011

Os Ombros Suportam o Mundo













































Chega um tempo em que não se diz mais: meu Deus.
Tempo de absoluta depuração.
Tempo em que não se diz mais: meu amor.
Porque o amor resultou inútil.
E os olhos não choram.
E as mãos tecem apenas o rude trabalho.
E o coração está seco.
Em vão mulheres batem à porta, não abrirás.
Ficaste sozinho, a luz apagou-se,
Mas na sombra teus olhos resplandecem enormes.
És todo certeza, já não sabes sofrer.
E nada espera de teus amigos.
Pouco importa venha a velhice, que é a velhice?
Teus ombros suportam o mundo
e ele não pesa mais do que a mão de uma criança.
As guerras, as fomes, as discussões dentros dos edifícios
provam apenas que a vida prossegue
e nem todos se libertaram ainda.
Alguns, achando bárbaro o espetáculo,
prefeririam (os delicados) morrer.
Chegou um tempo em que não adianta morrer.
Chegou um tempo em que a vida é uma ordem.
A vida apenas, sem mistificação.

Carlos Drummond de Andrade
(1902-1997)

Aos que Virão Depois de Nós




















Dizem-me: come e bebe!
Fica feliz por teres o que tens!
Mas como é que posso comer e beber,
se a comida que eu como, eu tiro de quem tem fome?
se o copo de água que eu bebo, faz falta a
quem tem sede?
Mas apesar disso, eu continuo comendo e bebendo.

Eu queria ser um sábio.

Nos livros antigos está escrito o que é a sabedoria:
Manter-se afastado dos problemas do mundo
e sem medo passar o tempo que se tem para
viver na terra;
Seguir seu caminho sem violência,
pagar o mal com o bem,
não satisfazer os desejos, mas esquecê-los.
Sabedoria é isso!
Mas eu não consigo agir assim.
É verdade, eu vivo em tempos sombrios!

Trechos de 'Aos Que Virão Depois de Nós', de Berthold Brecht